O velho jogo do bicho, criado no Rio de Janeiro em 1892, vive uma transformação silenciosa no Nordeste. Tradicionalmente associado às praças e esquinas movimentadas, o jogo agora encontra novas fronteiras no mundo das apostas digitais, especialmente nas plataformas conhecidas como “bets”. A migração reflete mais do que uma adaptação tecnológica: revela mudanças no poder e na dinâmica de controle do mercado ilegal de jogos na região.
Ao mesmo tempo em que as bancas tradicionais enfrentam a gradual perda de relevância, os grupos que antes comandavam o jogo do bicho têm se infiltrado nas plataformas digitais. Com sites hospedados em servidores internacionais e sistemas de pagamento via criptomoedas, essas organizações conseguem ampliar seu alcance, camuflar operações e atrair novos apostadores, principalmente jovens.
“A lógica é a mesma: você aposta em números ou combinações, mas, agora, o aplicativo substituiu o talão de papel. Só que o anonimato online tornou o negócio mais difícil de rastrear”, explica um especialista em segurança pública, que prefere não se identificar.
O apelo das bets é evidente: promessas de lucros rápidos, design envolvente e a sensação de modernidade. Muitos jovens da periferia, onde o jogo do bicho ainda é culturalmente enraizado, foram seduzidos por anúncios online e bônus de boas-vindas das plataformas, marcando uma transição geracional do mercado.
Ao mesmo tempo, autoridades enfrentam um dilema crescente. Enquanto o jogo do bicho tradicional era reprimido de forma pontual, sua migração para o mundo digital tornou a fiscalização mais complexa. Em muitos casos, os sites operam fora do Brasil, dificultando o rastreamento das transações e a identificação dos responsáveis.
Um ex-apontador, que pediu anonimato, lamenta a mudança: “O bicho sempre foi nosso sustento. Agora, quem manda não está mais aqui, está no computador.” Ele conta que perdeu clientes para os aplicativos, que oferecem uma estrutura de apostas instantânea e acessível.
Para pesquisadores, a migração para o digital também ressignifica o impacto econômico e social do jogo. O dinheiro que antes circulava localmente agora escoa para grandes redes digitais, enfraquecendo os laços comunitários que sustentavam a lógica tradicional do jogo do bicho.
Enquanto isso, os governos estaduais ainda ensaiam políticas para regularizar as apostas digitais, em um esforço para transformar um mercado informal em fonte de arrecadação tributária. Mas, até lá, o submundo digital segue crescendo. No Nordeste, o “bicheiro digital” é o novo protagonista de um jogo que, embora reinventado, ainda carrega a sombra do passado.
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