Especialistas das áreas de educação e psicologia reconhecem que a lei federal recém-sancionada que proíbe o uso de celulares pelos estudantes nas escolas é acertada, mas advertem que ela é apenas o primeiro passo no combate ao problema do vício digital que tem afetado a sociedade de uma forma mais ampla.
Na avaliação do pedagogo Paulo Fochi, professor e pesquisador da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) especializado em educação infantil, o banimento dos celulares no ambiente escolar é uma medida de “redução de danos”.
Para atacar o problema na raiz, segundo ele, o necessário são leis que regulem a atuação das big techs, como são conhecidas as gigantes multinacionais que dominam o mundo digital:
— O problema está nas redes sociais, que são deliberadamente desenhadas pelas big techs para serem viciantes. O design do vício faz nosso organismo produzir dopamina [neurotransmissor que gera bem-estar] e sentir que nas redes sociais temos atenção, afeto, amizade e vínculo, sendo que, na realidade, elas não nos entregam nada disso.
Disseminação de fake News
Fochi diz que, com o intuito de manter as pessoas conectadas o maior tempo possível e assim lucrar, as empresas se apoiam na produção de fake news, pânico, ódio, intolerância política e violência contra grupos minoritários:
— As big techs faturam com a nossa desinformação. Um sinal claro disso é a alteração das regras de checagem de dados recentemente anunciada pela Meta [empresa dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp], que abre ainda mais espaço para a divulgação de desinformação nas redes sociais. O poder público precisa agir de forma contundente e impor normas para evitar os males que a falta de regulação do mundo digital tem provocado nos indivíduos e na sociedade como um todo.
Fochi faz uma comparação:
— É como se as redes sociais fossem uma droga, com todo o seu poder viciante. Para resolver ou pelo menos reduzir o problema, o poder público tem que agir sobre quem distribui essa droga e lucra, que são as big techs.
O psicólogo Elton Hiroshi Matsushima, professor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), concorda que a regulação é uma necessidade urgente:
— Há pouco tempo, o governo criou regras para as empresas que exploram as apostas on-line, protegendo os usuários de alguma forma. Já está na hora de tomar a mesma medida em relação às big techs. É preciso criar grupos de trabalho para estudar a questão e propor as ações mais adequadas para o país, considerando o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Em 2020, o Senado aprovou um projeto do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) que responsabiliza as big techs pela desinformação nas redes sociais. Mais conhecido como PL das Fake News, o texto está em análise na Câmara dos Deputados.
Na avaliação de Matsushima, o poder público também deveria fazer campanhas educativas contra o uso exagerado de celulares, da mesma forma que já fez em relação aos malefícios do cigarro e do álcool e à importância do uso do cinto de segurança.
Concorrência desleal
O psicólogo entende que a lei que proíbe o uso dos celulares nas escolas é positiva por proteger o ambiente educativo da concorrência das redes sociais.
— É uma concorrência desleal — ele explica. — As redes sociais oferecem entretenimento e diversão sob medida e são cuidadosamente desenhadas para sequestrar a nossa atenção. O professor em sala de aula não consegue competir com elas, para o prejuízo do processo de aprendizagem.
Fonte: Agência Senado
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