Um dia repentinamente todos os imigrantes mexicanos desaparecem dos Estados Unidos. Uma família, sem sua empregada doméstica, enfrenta um caos ao ver sua casa suja, com roupas imundas e sem conseguir encontrar alguns alimentos. Um fazendeiro não tem quem faça sua colheita. Funcionários desaparecem de um restaurante e não há ninguém para limpar os carros no lava a jato. Essa é apenas uma história fictícia, do filme Um Dia sem Mexicanos, levada às telas de cinema, em 2004, pelo diretor Sergio Arau.
A situação retratada por Arau é apenas uma ficção fantasiosa e absurda, mas demonstra como a sociedade norte-americana depende econômica e afetivamente dos imigrantes, provenientes não apenas de seu vizinho do sul, mas de vários outros países, inclusive latino-americanos.
Em sua campanha eleitoral para a Casa Branca, o presidente Donald Trump anunciou que, se fosse eleito, faria “a maior operação doméstica de deportações da história Americana”, retirando do país, de forma forçada, todos os milhões de imigrantes ilegais que vivem nos Estados Unidos, até o fim do seu mandato.
Uma pesquisa divulgada em julho do ano passado, pelo Pew Research Center, mostrou que havia, cerca de 11 milhões de imigrantes não autorizados vivendo nos Estados Unidos, em 2022. Essa população oferecia, segundo a pesquisa, um contingente de 8,3 milhões de trabalhadores para a economia norte-americana.
Os receios de que Trump possa colocar em prática suas promessas de campanha ganharam força depois que milhares de imigrantes foram detidos por agentes de imigração e deportados para seus países de origem, como México, Colômbia e Brasil, poucos dias depois de assumir a presidência norte-americana.
De acordo com pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil, caso Trump decida deportar todos os imigrantes ilegais e tenha os recursos para isso, a situação pode gerar um enorme déficit de mão de obra que poderá causar impactos devastadores para a economia norte-americana.
Indústria dependente de mão de obra
“Se a gente considerar que a retórica do Trump será concretizada, o impacto para o americano comum seria absurdo. Várias indústrias seriam colocadas em caos, pelo menos no curto prazo, particularmente a indústria alimentícia, que é absolutamente dependente de mão de obra subempregada, de imigrante ilegal”, destaca o pesquisador do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Thaddeus Gregory.
A professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carla Beni explica que os setores de coleta de frutas e de laticínios, por exemplo, seriam muito afetados. “A grande população que trabalha nas fazendas, executando toda essa produção, que trabalha numa escala muito maior do que o americano trabalharia, recebe menos porque não tem documentação. Ele não tem documentação e é explorado pelo empresário americano ou mesmo por um outro empresário imigrante que já está legalizado”.
Gregory explica que esses empregos estão disponíveis para qualquer americano, mas “a maioria não quer trabalhar coletando tomates a 5 dólares por hora”. “Como eles [empresários] vão dar conta dessa enorme necessidade de mão de obra barata?”, ressalta.
Segundo ele, outro setor que deve sofrer com carência de mão de obra é o de serviços. “Particularmente, as pequenas empresas serão afetadas, como aquela empresa de jardinagem, que emprega seis ou sete salvadorenhos, que não sabe como está a situação de imigração deles porque [o empresário] não pergunta. E muitas dessas pequenas empresas ironicamente têm donos que são apoiadores de Trump. É a pequena burguesia americana, que será muito afetada”.
Um projeto de deportação em massa de imigrantes, provavelmente vai elevar o preço da mão de obra nos Estados Unidos, explica o professor de História da América Roberto Moll, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
“Consequentemente, isso elevará os preços e a inflação. Isso pode forçar o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, a elevar os juros. Em conjunto, neste cenário, provavelmente, as empresas sediadas nos Estados Unidos, principalmente em setores mais endógenos da economia, perderiam ainda mais competitividade”, afirma Moll.
O medo da deportação, pelos imigrantes ilegais, pode também gerar um efeito aparentemente contraditório: uma exploração ainda maior dos trabalhadores que não sejam deportados. Com receio de demandar melhores salários e melhores condições de trabalho, essas pessoas podem ser submetidas a uma precarização ainda mais acentuada.
Com Agência Brasil
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