No coração de Campina Grande, em uma viela escura do Beco dos Paus, uma mulher reescreveu seu destino com um punhal. Em 1915, Amélia Mendes da Silva, aos 28 anos, enfrentou o medo e a violência que tantas outras mulheres aceitavam em silêncio. O desfecho dessa história não foi o esperado para um mundo que via as mulheres como presas fáceis. Amélia não fugiu, não se curvou e não aceitou seu destino traçado por mãos alheias. Ela revidou.
Nascida em Serraria, cidade do Brejo Paraibano, Amélia trilhou um caminho próprio, independente das regras da sociedade. Separada de um marido pacífico e respeitado, encontrou na prostituição meios de sobreviver. Criou sua casa, seu espaço, sua autonomia. Em um tempo em que bordéis eram comandados por cafetinas e regidos pela exploração, Amélia fez diferente: escolhia seus clientes, definia seus preços e mantinha sua dignidade dentro das limitações impostas a uma mulher de sua profissão.
Mas liberdade tem seu preço. E esse preço chegou a Amélia na forma de uma ameaça concreta: José Maria de Oliveira, o temido Serrote, um ex-cangaceiro com um histórico de violência e desprezo pela vida. Expulso do bando de Antônio Silvino e da Polícia Militar, ele encontrou em Campina Grande um terreno fértil para seus crimes. Arrogante, violento e protegido por gente poderosa, ele julgou que Amélia seria apenas mais uma vítima. Estava errado.
A primeira agressão veio brutal, num ataque covarde a mando de um cliente enciumado ou de uma mulher traída. Espancada e violentada, Amélia não se rendeu. Quando soube que Serrote voltaria para matá-la, armou-se. No dia 5 de maio, ao cruzar com ele na rua, ouviu a sentença: “Você ainda está por aqui? Pera aí que eu já lhe ensino”. O golpe de madeira atingiu sua cabeça, mas ela se manteve de pé. E então, sem hesitação, puxou o punhal que escondia entre os seios e o cravou certeiro no coração do algoz. O homem que aterrorizava a cidade caiu sem conseguir sacar seu revólver. Amélia seguiu para o jantar.
A notícia correu ligeira, carregada de surpresa e aprovação. Quando levada a julgamento, a absolvição veio unânime: sete votos a zero. Não foi apenas a liberdade de Amélia que foi garantida naquele tribunal, mas também o reconhecimento de que uma mulher não deveria ser condenada por lutar pela própria vida.
Amélia Mendes da Silva não foi a Amélia do samba, aquela submissa e resignada. Foi a Amélia de Serrote, a que sobreviveu, a que desafiou o medo, a que tomou nas mãos o próprio destino. Seu nome não virou melodia, mas sua história ressoa como um grito de resistência no silêncio imposto às mulheres de seu tempo.
Por Hermano Araruna
Comente sobre o post