Em pleno século XIX, quando a palavra ainda corria mais à pena do que à tecla, um padre paraibano ousou pensar diferente. João Francisco de Azevedo, nascido no sertão e formado no Recife, encontrou em um piano a chave para algo inédito: uma forma de escrever com os dedos, sem tinta nem caligrafia. Era 1861 quando apresentou, no Rio de Janeiro, sua “máquina taquigráfica”, um engenho de 16 teclas capaz de imprimir letras no papel — muito antes que o mundo conhecesse a famosa máquina de escrever da americana Remington.
O invento do padre chamava atenção pela engenhosidade. Um pedal movia o papel para a linha seguinte, enquanto a combinação das teclas formava os diversos sinais gráficos. Na Exposição Nacional, foi premiado com medalha de ouro, mas não passou dali. A máquina não foi escolhida para representar o Brasil no exterior, e Azevedo voltou ao silêncio das paróquias, com sua invenção debaixo do braço e o projeto sem proteção legal.
Anos mais tarde, uma máquina semelhante surgiria nos Estados Unidos, sob a autoria de Christopher Latham Sholes, com apoio da Remington. A história de Azevedo, então, foi se apagando como tinta velha. Mas para alguns, como o escritor Miguel Sanches Neto, a memória ainda pulsa. Em seu romance “A Máquina de Madeira”, Sanches reconta a trajetória do padre, mesclando ficção e pesquisa, e lança luz sobre o que considera um roubo intelectual: segundo relatos antigos, o projeto brasileiro teria sido levado por um agente norte-americano, que repassou os desenhos a Sholes.
O escritor também aponta para um traço profundo da história nacional: a tendência a exportar matéria-prima e importar inovação. Enquanto outros países consolidavam suas indústrias, o Brasil via sua capacidade inventiva escorrer por entre os dedos, como se criatividade bastasse sem estrutura.
João Francisco de Azevedo morreu em 1880, em silêncio, sem patente, sem fábrica, sem justiça. Foi enterrado em João Pessoa, longe do palco onde tentou mostrar ao mundo sua ideia. Seu nome, ausente dos manuais de tecnologia, ainda habita os cantos pouco iluminados da história — aqueles onde inventores trabalham mais com fé do que com recursos. E onde, às vezes, o futuro passa batido diante da invenção que não soubemos reconhecer.
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