Tem gente que acredita em fantasma.
Eu, por exemplo, não sei se acredito em alma penada, mas tenho certeza de que minha mãe me persegue.
E olha que a rainha já foi pra outro reino.
Ela não aparece em espelho, nem derruba quadro da parede. Mas se faz presente de outros jeitos, mais sofisticados:
é ouvir sua voz me mandando levar um casaquinho quando o tempo vira, mesmo morando sozinho há anos.
É jurar que nunca mais vou repetir os chiliques dela — e repetir igualzinho, só que com Wi-Fi.
É passar correndo por um espelho e, por um segundo, ver o olhar dela no meu.
As mães têm esse poder: ficam no corpo da gente. No tom de voz. No jeito de apertar o interruptor.
Elas não somem. No máximo, viram memória com cheiro.
E não tô falando só das que se foram.
Tem as que ainda estão aqui, vivíssimas, reclamando do preço do azeite e perguntando por que a gente não liga.
Aliás, pergunta de mãe é um fenômeno da natureza: não importa quantos anos você tenha, se tá casado, divorciado ou montando startup no Alasca — ela vai querer saber se você almoçou.
E não adianta mentir. Mãe fareja desnutrição emocional por ligação.
Mas veja bem: mãe não é heroína de propaganda de margarina. Nem sempre é meiga, nem sempre é justa. Tem dias que elas não acertam nem o próprio humor.
Tem mãe que grita, que manda áudio com trava de segurança emocional (aqueles que começam com “tô te mandando isso porque me preocupo com você, tá?”).
Tem mãe que faz chantagem com as palavras — e tem mãe que silencia como quem grita.
Mas também tem a que olha e entende.
A que sabe quando você tá mentindo, mesmo por escrito.
A que salva a última banana da fruteira mesmo dizendo que não gosta de banana.
A grande verdade é que não existe mãe perfeita.
O que existe é mãe possível.
E filho em construção.
Quando ela vai embora — porque um dia, infelizmente, vai — o mundo não desaba de uma vez. Ele desencaixa devagar.
Ficam perguntas sem destinatário.
Ficam receitas sem medida.
Ficam sutiãs na gaveta e anotações sem sentido no fundo da Bíblia.
E fica, acima de tudo, aquela sensação esquisita de que você agora precisa ser adulto até quando não quer.
Mas aí, num domingo qualquer, você fala uma frase que ela diria.
Ou encontra uma panela velha que ela amava.
Ou repete o mesmo gesto de carinho que ela fazia sem que você notasse.
E pronto.
Ela volta.
Não pra mesa do almoço — mas pro centro da sua vida.
É por isso que o Dia das Mães é bonito, mas também é espinhoso.
Tem quem esteja almoçando com a mãe agora, e já sinta a ausência no prato ao lado.
Tem quem finja que tá tudo bem, pra não chorar no mercado, bem na frente do freezer de lasanha.
E tem quem nem saiba como era o abraço dela, mas ainda assim sente falta de algo que nunca teve.
Então, se a sua mãe está por perto, aproveite — sem pressa, sem culpa, sem clichê.
Se ela já foi, escute: ela ainda fala.
Entre uma lembrança e outra, entre o riso que herdou e a teimosia que prometeu superar.
Porque mãe, no fim das contas, não é só quem gerou.
É quem ficou.
Mesmo depois de ir.
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