Entenda. Eu olho para as pessoas e elas me olham. Nos reconhecemos ali, de relance ou de propósito. Há olhos, gestos, palavras. Há risos e ausências. Nos vemos. Mas o que é isso que vemos? O que somos, quando tiramos o teatro?
Arranque as roupas — todas. As da vaidade, do status, do gênero, da religião. Fique nu. Ainda não é suficiente.
Retire então a pele, que disfarça os traços da alma. Esfregue com força até que caia o verniz da juventude, da cor, da expressão que você aprendeu a imitar. Chegue ao músculo, à carne viva. A dor está mais próxima agora — mas prossiga.
Desfaça os músculos. Abra o peito, retire o coração não como símbolo romântico, mas como órgão pulsante, úmido, indiferente. Retire os pulmões que respiram sem pedir licença, o fígado que filtra silenciosamente o mundo que ingerimos. E vá mais fundo.
Resta o esqueleto. Ossos ocos, brancos, silenciosos. Cada um de nós é isso. Uma estrutura que sustenta, mas não responde. Sem rosto. Sem voz. Sem nome. Os crânios se parecem todos. Nenhum carrega a arrogância dos vivos. Nenhum diz: “eu sou”.
Mas mesmo ali, na arquitetura do nada, persiste uma pergunta: o que fomos, enquanto andávamos por aí, falando tanto, tocando uns nos outros, mentindo, chorando, amando, temendo?
Talvez sejamos apenas isso: o intervalo entre o que aparentamos e o que deixamos escapar. O eco de algo que nunca foi plenamente dito. O vão entre dois olhares que se cruzam e não se entendem.
E então… o que somos?
Esqueletos.
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