Em algum momento entre um post na Truth Social e o eco do último míssil russo sobre Kiev, Donald Trump teve uma epifania: Vladimir Putin, segundo ele, “ficou completamente louco”. O comentário veio no domingo, um dia depois de a Rússia lançar o maior ataque aéreo à Ucrânia desde a invasão em 2022. Pelo menos 29 pessoas morreram. E, como quase sempre acontece em guerras modernas, a maioria não estava fardada.
“Ele está matando desnecessariamente muita gente, e não estou falando só de soldados”, escreveu Trump, como se a matança de soldados já fosse aceitável por princípio, mas o excesso de civis mortos finalmente tivesse tocado alguma fibra moral adormecida no ex-presidente. Disse também que sempre teve “uma boa relação” com Putin, mas que “algo aconteceu com ele”. O mundo, que desde Bucha, Mariupol e tantas outras cidades arrasadas tenta entender o que ainda não aconteceu com Putin, agradeceu a observação — mesmo que tardia.
O Kremlin, previsivelmente, respondeu com desdém. Chamou a declaração de uma “reação emocional”. De fato, é difícil não se emocionar diante de hospitais bombardeados, crianças arrancadas de escombros e civis com as vidas partidas ao meio. Talvez a surpresa seja mesmo alguém ainda conseguir reagir com frieza.
Enquanto isso, a Ucrânia coleciona promessas ocidentais e corpos. O presidente Volodymyr Zelensky, que já parou de esperar coerência de qualquer potência, criticou a ausência de uma resposta mais firme de Washington. Uma indignação contida que contrasta com a pirotecnia verbal de Trump — agora, aparentemente, pronto para considerar sanções mais duras à Rússia. Considerar. Como quem considera trocar o sofá da sala enquanto a casa pega fogo.
As negociações de paz continuam no limbo diplomático: um teatro do absurdo onde um lado exige soberania e o outro, silêncio e submissão. A guerra segue, insana, com suas lógicas invertidas — em que a destruição é estratégica, e o horror, burocratizado. No meio disso, civis seguem morrendo: às centenas, às escondidas, às claras.
Trump descobriu que Putin enlouqueceu. O mundo, que assiste a essa guerra bestial há mais de dois anos, talvez já tivesse descoberto algo mais profundo: a loucura não é de um só homem. É da própria normalização da guerra.
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