Em agosto de 1969, meio milhão de jovens atravessaram pastos e congestionamentos em Bethel, no interior do estado de Nova York, para o que deveria ser “apenas” um festival de música. Mas Woodstock, com sua lama, guitarras distorcidas e corpos entrelaçados em mantas de crochê e calças “boca de sino”, virou um ensaio geral para uma revolução que não se ensaiava mais em panfletos — mas em atos, corpos e amplificadores.
Passados mais de 50 anos, os hippies sumiram das esquinas. Trocaram o ácido lisérgico por cafés orgânicos, e os slogans de paz agora vestem camisetas vendidas por aplicativos que entregam em 24 horas. O “faça amor, não faça guerra” virou “faça networking, não perca o timing”. A liberdade, antes símbolo de rebeldia, virou tema de TED Talk. Mas se a estética foi cooptada, a centelha não foi.
Woodstock foi uma recusa coletiva à lógica de obediência — uma desobediência civil de cabelos longos. Era um “não” ao Vietnã, mas também ao banco, ao chefe, à cartilha. Um “sim” às utopias que hoje, nos feeds e timelines, viraram memes ou campanhas de marketing. E, ainda assim, há ecos.
Nos protestos contra mudanças climáticas, nas ocupações estudantis, nas marchas feministas, no levante das comunidades LGBTQIA+, há uma fagulha woodstockiana que se recusa a morrer. Só que agora ela carrega o celular na mão e Wi-Fi na mochila.
A grande ironia? Aquela geração que queria destruir o sistema agora lidera o mercado. As empresas que lucram com a nostalgia dos anos 60 são, muitas vezes, comandadas por ex-jovens libertários que hoje se encantam com taxas de retorno e dividendos trimestrais. O ideal virou ícone, o ícone virou produto. E o produto, claro, vem com frete grátis.
Ainda assim, para além do verniz, há ruídos reais. Uma juventude conectada, mas inquieta. Que vê o colapso climático, a desigualdade galopante, a vigilância algorítmica — e pergunta, como seus avós de calças boca de sino: “É só isso mesmo?”. Talvez o novo Woodstock não seja um campo enlameado, mas um colapso coletivo de paciência diante da precariedade existencial.
A lama agora é digital. Mas a revolta segue analógica, encarnada em corpos que ainda ousam dizer “não”. Porque, no fundo, o que se gritou em Woodstock não era apenas um protesto — era uma pergunta jogada ao vento, entre riffs e trovões: “E se o mundo não precisar ser assim?”
Give Peace a Chance também, tá valendo.
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