Se você cresceu no Brasil, é bem provável que já tenha entoado “Escravos de Jó jogavam caxangá” sem nunca se perguntar o que, de fato, seria esse tal de caxangá. A palavra soa sonora, divertida, quase feita para rimar com “fazer zig-zig-zá”, mas o significado segue envolto em névoas.
O termo “caxangá” tem registros com múltiplas interpretações: pode nomear um pequeno crustáceo, um tipo de cocar indígena, um chapéu tradicional africano e, segundo algumas leituras menos ortodoxas, até mesmo um gesto corporal com conotação sensual em determinadas danças afro-brasileiras. Em resumo: caxangá é um daqueles vocábulos camaleônicos, que mudam de cor e de sentido conforme o tempo, o lugar e quem está cantando.
O que se sabe com mais clareza é que a cantiga “Escravos de Jó” atravessou séculos e camadas sociais, migrando de um provável contexto de resistência afrodescendente para o recreio das escolas. Com isso, o termo, assim como a própria música, foi sendo ressignificado. A brincadeira com pedrinhas, repetida por crianças em círculo, disfarça uma origem marcada pela dor da escravidão. O lúdico sobreposto ao histórico.
A força da música popular brasileira está justamente nisso: no modo como transforma, resgata e carrega o passado, mesmo sem a gente perceber. No fim das contas, “caxangá” talvez não precise ser um conceito fechado. Pode ser só mais um lembrete de que nossa história é contada também nas entrelinhas das cantigas que aprendemos na infância, mesmo que não soubéssemos o que, de fato, estávamos cantando.
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