Pela primeira vez desde 1872, a proporção de brasileiros que se declaram católicos caiu para menos de 60%. O dado, revelado pelo Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra uma mudança significativa no cenário religioso do país. Atualmente, 56,7% da população se identifica como católica, uma queda de 8,4 pontos percentuais em relação ao levantamento anterior, realizado em 2010.
Na contramão, o número de evangélicos atingiu o maior patamar já registrado: 26,7%. A trajetória de crescimento desse grupo segue consistente desde o século XIX, quando representava apenas 1% da população. O aumento de 5,3 pontos percentuais desde o último Censo reafirma o papel central que as igrejas evangélicas, especialmente as de linha pentecostal e neopentecostal, têm desempenhado na vida religiosa, cultural e até política de muitos brasileiros.
Para Juliana Carvalho, pesquisadora da USP e especialista em religião e memória social, os números não apenas indicam migrações entre crenças, mas também refletem maior liberdade para declarar afiliações religiosas que antes eram alvo de estigma. “Nem sempre o que as pessoas declaram no Censo reflete, de fato, a prática religiosa delas. O medo do preconceito ainda pesa, especialmente no caso de religiões afro-brasileiras”, afirma.
O Censo também identificou um crescimento expressivo das religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé, que passaram de 0,3% para 1% da população. O número absoluto ainda é pequeno, mas representa um avanço importante, em um contexto de resistência histórica e intolerância. Ao mesmo tempo, houve leve redução entre os espíritas, enquanto o grupo dos que afirmam não ter religião subiu para 9,3%.
Juliana destaca que, em tradições como as religiões afro-brasileiras, o corpo tem papel ativo e central: “Diferente de outras religiões em que a espiritualidade se afasta da experiência corporal, na umbanda e no candomblé, o sagrado se manifesta por meio da incorporação e da presença física”.
As diferenças regionais também são marcantes. O catolicismo ainda predomina no Nordeste (63,9%) e no Sul (62,4%), enquanto os evangélicos têm presença mais forte nas regiões Norte (36,8%) e Centro-Oeste (31,4%). Os espíritas concentram-se no Sudeste (2,7%), onde também está a maior proporção de pessoas sem religião (10,5%). Já as religiões de matriz africana encontram mais adeptos no Sul (1,6%) e Sudeste (1,4%).
Essas variações, segundo a pesquisadora, dialogam com a diversidade cultural e histórica do país. “A vivência religiosa é marcada pela história local, pelas relações comunitárias e pelos afetos que ligam as pessoas às suas crenças”, explica.
O levantamento do IBGE aponta, mais do que uma simples mudança estatística, uma transformação no modo como os brasileiros se relacionam com o sagrado, mais plural, mais complexa e, possivelmente, mais aberta à diversidade religiosa.
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