Pouco se registra nos livros oficiais sobre as mulheres que sobreviveram às guerras indígenas nos Estados Unidos. Mas entre os Chiricahua Apaches, o nome Tze-gu-juni (boca bonita) é sinônimo de resistência. Nascida por volta de 1847, ela enfrentou desde cedo tragédias que moldariam seu destino: um raio durante uma tempestade a deixou viva, mas órfã de mãe e irmã.
Décadas mais tarde, em 1880, ela foi capturada durante o ataque de Tres Castillos, episódio que praticamente dizimou o grupo de Victorio, líder Apache. Vendida como escrava na Cidade do México, recebeu o apelido de “Huera”, expressão usada para mulheres diferentes, à margem, que não se encaixavam no padrão local. Era tratada como propriedade. Acorrentada por cinco anos, acumulou feridas físicas e memórias de cativeiro.
A fuga ocorreu numa madrugada silenciosa, com poucas provisões e nenhum plano além da sobrevivência. Ela e outras mulheres escaparam e iniciaram uma jornada a pé de mais de dois mil quilômetros, atravessando desertos, enfrentando fome, doenças e perseguição. Em determinado momento, foi atacada por um puma. Com o cobertor enrolado ao pescoço como escudo improvisado, matou o animal com um golpe profundo no peito. Sobreviveu a ferimentos brutais, incluindo o escalpelamento e teve o couro cabeludo costurado com espinhos e saliva da própria fera.
Quando, meses depois, chegaram à reserva de San Carlos, no Arizona, estavam irreconhecíveis. Mas vivas. Lá, Tze-gu-juni foi acolhida como curandeira, tradutora e guia espiritual. Embora não falasse muito sobre o que havia passado, tornou-se símbolo de coragem entre os Apaches. O lendário chefe Geronimo, com quem ela viria a se casar, resumiu sua trajetória em uma frase: “a mais valente entre nós”.
Tze-gu-juni nunca buscou notoriedade. E talvez por isso o mundo tenha esquecido seu nome. Mas entre o seu povo, ela permanece viva, não apenas como memória, mas como mito.
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