Do tabuleiro de rua com morangos cobertos de calda aos sofisticados brigadeiros gourmet, o Brasil construiu uma relação singular com o açúcar e essa história começou muito antes das vitrines modernas de confeitarias.
A cana-de-açúcar, originária da Papua-Nova Guiné, chegou às mãos dos portugueses no século XIV, quando começaram a cultivá-la em larga escala na Ilha da Madeira. Segundo a historiadora Vera Ferlini, da Universidade de São Paulo (USP), o modelo foi replicado em proporções muito maiores no Brasil a partir do século XVI, tornando o açúcar a principal commodity da colônia. Entre 1583 e 1587, só Pernambuco contava com 66 engenhos, que juntos produziram quase 3 mil toneladas, de acordo com dados levantados por Luís da Câmara Cascudo em História da Alimentação no Brasil.
Inicialmente caro e restrito, o açúcar era vendido em farmácias e usado como ingrediente medicinal. Com o aumento da produção, passou a entrar nas receitas coloniais, substituindo o mel em pratos como o manjar branco e fortalecendo a tradição da doçaria conventual herdada de Portugal, fios de ovos, pastéis de massa doce, pão de ló. As contribuições indígenas e africanas também moldaram o repertório, trazendo o sabor direto da cana, frutas nativas e mel silvestre.
No século XX, um novo protagonista mudou de vez o cardápio doce brasileiro: o leite condensado. A Nestlé, citando pesquisa Kantar Ibope (2020), afirma que o produto está presente em 94% dos lares e participa de 60% das sobremesas nacionais. “Ele reúne atributos que o brasileiro ama: doçura intensa, umidade, versatilidade e neutralidade para combinações”, explica Débora Oliveira, historiadora e autora de Dos Cadernos de Receitas às Receitas de Latinha.
Essa versatilidade fez do leite condensado a base de receitas icônicas como brigadeiro, mousse e pavê. Curiosamente, o brigadeiro surgiu na campanha presidencial de 1945, em apoio ao candidato Eduardo Gomes, e acabou vencendo nas cozinhas, ainda que não nas urnas.

Mas o gosto nacional pelo doce vem com um custo. O Ministério da Saúde estima que o consumo médio de açúcar no Brasil é de 80 gramas por dia, 50% acima do limite máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso equivale a cerca de 65 quilos por pessoa ao ano, um dos maiores índices do mundo, ao lado de Estados Unidos, Rússia e México.
A nutricionista Daniela Canella, do Instituto de Nutrição da UERJ, alerta que esse padrão está ligado ao aumento de obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares. A recomendação, segundo ela, é reduzir gradualmente o açúcar adicionado para que o paladar se readapte, sem recorrer necessariamente a adoçantes artificiais.
Entre tradição, marketing e hábito social, como lembra Gilberto Freyre ao dizer que “o doce visita, agradece e celebra”, o açúcar segue sendo mais que um ingrediente: é parte da identidade gastronômica brasileira. O desafio, agora, é encontrar o equilíbrio entre memória afetiva e saúde.
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