Imaginemos um estádio, gramado feito de páginas e arquibancadas formadas por estantes. Ali, a bola é uma palavra, e o jogo é decidido por frases que acertam ou desviam, por ideias que quicam ou deslizam. O cronômetro não mede minutos, mas intensidade de leitura; e a torcida? Silêncio atento, risos contidos e aplausos de entendimento.
No gol, Monteiro Lobato (1882-1948), escritor, editor e empreendedor cultural que entendeu a literatura como cadeia produtiva completa. A defesa é sólida, construída para absorver impactos sociais e históricos. Cada lance reflete o impacto que o autor teve na sociedade: desde quem mobilizou debates até quem popularizou leituras, transformando a literatura em energia coletiva. A zaga com Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), que atravessou o século 20 como poeta central e cronista e fez do jornal uma forma de responsabilidade pública.
Nas laterais, Mário de Andrade (1893-1945), poeta, pesquisador, gestor e articulador que deu forma prática ao modernismo brasileiro. Lima Barreto (1881-1922), a consciência incômoda da Primeira República e um dos primeiros a converter a periferia social e geográfica do Rio de Janeiro em centro da prosa brasileira. Essas laterias são abertas por inventores de caminhos e cronistas que desafiam o conforto do leitor. Eles empurram a narrativa para frente, entrelaçando história, crítica social e inventividade formal. No meio-campo, Machado de Assis (1839-1908), negro, autodidata, funcionário público, jornalista e ficcionista. A mistura de cálculo e visão panorâmica distribuindo ritmo e coerência: cada autor depura o verso como engenheiro, outro articula longos panoramas narrativos que abraçam regiões e gerações.
A criação ofensiva é ousada. Ponta direita e esquerda atravessam fronteiras da linguagem e da forma, testando limites, reinventando o jogo. João Cabral de Melo Neto (1920-1999), diplomata e poeta que ergueu uma obra de antilirismo luminoso, em que emoção e forma se encontram por contenção e ritmo. Mantém a linha com rigor: textos que documentam prisões, injustiças e secas, ao mesmo tempo em que ensinam a calcular a precisão da linguagem. Entre passes curtos e longos, a narrativa ganha impulso, a massa leitora é conduzida pelo prazer do texto, e cada gol é a combinação de afeto, experimentação e inteligência.
Não se trata de uma escalação definitiva, mas de um exercício de ponderação. História, estética e popularidade entram em campo com regras próprias, cruzando dados, intuição e humor. E, no final, fica a certeza de que a literatura brasileira, como um bom time, continua a jogar bonito, equilibrando rigor e criatividade, tradição e ousadia, sem nunca perder a graça.
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