Salvador não é só cenário; é personagem. E em 3 Obás de Xangô, Sérgio Machado convida o espectador a passear pelas vielas, palácios e praias de Salvador como se fosse visita íntima à casa de três gigantes da cultura baiana. O longa intercala imagens de arquivo com depoimentos de nomes como Itamar Vieira Junior e Lázaro Ramos, que empresta sua voz à narração, construindo um mosaico visual que mais parece um feitiço cinematográfico.
O filme celebra uma amizade rara, dessas que você quase não acredita que existe. Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé brincam, provocam e se admiram mutuamente, e o efeito é tão comovente quanto uma canção de Dorival ao entardecer. A história de amor de Jorge com Zélia Gattai é quase um epílogo em cada cena: mãos entrelaçadas, olhares cúmplices e cinquenta e seis anos de parceria que atravessam páginas de livros e cenas de filmes. O charme do encontro com a música é registrado em episódios memoráveis, como o dia em que Caymmi cantou Acontece Que Eu Sou Baiano para conquistar Zélia, a pedido do amigo.
O documentário não se limita a romance e amizade; ele mergulha no sagrado. Cada um dos três recebeu de Mãe Senhora, do Ilê Axé Opô Afonjá, o título de “Obá”, reconhecendo sua dedicação às religiões de matriz africana. Jorge, inclusive, levou sua fé ao Congresso, criando a lei que protegeu religiões afro-brasileiras da perseguição.
Por trás da câmera, o historiador Antonio Venâncio faz o papel de arqueólogo visual, garimpando fotos, filmes e registros que poderiam estar perdidos em qualquer sótão. Sua pesquisa é o alicerce do filme, garantindo que cada detalhe histórico se transforme em narrativa cinematográfica sem perder a leveza poética que a baianidade exige.
O trio, como lembra Muniz Sodré, foi responsável por uma “campanha publicitária” da Bahia muito mais eficaz que qualquer esforço mercadológico: preparou o mundo para a explosão cultural de Caetano, Gil, Bethânia e toda a geração tropicalista. Machado, ao reunir amor, amizade, música e religião, cria um documentário que é ao mesmo tempo registro histórico, homenagem biográfica e celebração estética, um filme que, como a própria Bahia, se recusa a ser simplificado.
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