Há quem diga que o coração moderno funciona como aplicativo de mensagens: responde quando quer, bloqueia quando enjoa e desinstala quando dá trabalho. O chamado “medo de compromisso” deixou os consultórios cheios e os aplicativos de relacionamento lotados de gente que não sabe se busca companhia ou apenas distração.
O enredo é quase sempre o mesmo: relações anteriores deixaram cicatrizes e, para evitar novas feridas, muitos preferem não se arriscar. Parece prudência, mas na prática é um pacto silencioso com a superficialidade. O problema não está apenas nos encontros mal resolvidos; está também em uma sociedade que desaprendeu a lidar com frustração e passou a tratar a dor como falha de sistema.
O cenário externo não ajuda. Pandemias, guerras, crises ambientais e colapsos econômicos montam um pano de fundo de alerta constante. Se o mundo é instável, por que o amor seria diferente? Some-se a isso a enxurrada de histórias fracassadas circulando pelas redes, e o resultado é um fatalismo coletivo: antes de mergulhar, já se prevê o afogamento.
Nesse jogo de antecipar desastres, muitos acabam responsabilizando o outro por uma escolha que é, na verdade, individual. Evita-se o envolvimento, mas chama-se essa fuga de “liberdade”. A confusão entre independência saudável e medo disfarçado é tamanha que já virou quase um estilo de vida.
As consequências são visíveis: solidão turbinada por redes sociais, vício em trabalho como anestesia emocional, conversas com inteligências artificiais no lugar de diálogos reais e uma busca incessante por dopamina em likes, séries e academia. Um cardápio de alívios rápidos que funcionam como band-aids existenciais.
O paradoxo é cruel: muitos acreditam que estão escolhendo ficar sozinhos, quando na verdade são prisioneiros de fantasmas antigos. Para sair desse ciclo, a receita não é segredo, autoconhecimento, enfrentamento das próprias incoerências e a coragem de lidar com o desconforto que qualquer relação inevitavelmente traz.
Afinal, se não sabemos o que queremos, aceitamos qualquer coisa. E é nesse vácuo que o amor vira apenas mais um aplicativo que se abre, se fecha e, no fim, se deleta.
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