Rodrigo Sotero não ganhou só um prêmio. Ele assinou um ponto de virada. Com um filme feito sozinho, usando ferramentas de inteligência artificial do roteiro à pós-produção, ele levou o principal troféu no RAIFF, o primeiro festival brasileiro dedicado a produções com IA. E fez isso sem estúdio, sem equipe, sem câmera. Só ele, seu computador e sua história. Vídeo no final da matéria.
O filme, que traz um palhaço melancólico prestes a entrar em cena nos anos 50, fala de ausência, de paternidade, de culpa. Mas o que realmente marca é o subtexto: o artista está só. Não por escolha, mas porque a tecnologia permite. Ou exige.
O que era antes colaboração, virou solitude criativa. Sotero, veterano da publicidade, mergulhou em um processo autoral onde não precisou dividir a criação com ninguém e esse é justamente o novo paradigma que a IA propõe: menos coletivos, mais indivíduos com domínio técnico e sensibilidade narrativa.
O discurso oficial ainda tenta acalmar os ânimos: “a IA não substitui, amplia”. É uma meia verdade. A IA não está eliminando o artista, mas está dispensando a equipe. Um operador de drone, um colorista, um animador. hoje podem ser apenas linhas de comando. O festival mostrou isso com clareza. Não se trata de ficção científica. Já está acontecendo.
Quem não entender essa mudança, vai ficar para trás. Quem resistir à tecnologia como se fosse moda passageira, vai perder relevância e talvez o emprego.
Menos dinheiro, mais visão. Se antes fazer cinema exigia estrutura, hoje exige olhar afiado e tempo para aprender ferramentas. Um bom projeto pode nascer num quarto com wi-fi. Mas isso também impõe novos desafios: como formar uma geração de cineastas que saibam escrever, dirigir e operar IA, preservar a ética e a originalidade em um mar de conteúdo gerado por prompt e diferenciar um artista de um operador de software?
O RAIFF tenta responder isso com prêmios práticos: acesso a plataformas, créditos em IA, certificações. Reconhecimento é importante, mas acesso é o que transforma.
Cinema sem platéia? O risco é outro: num mundo em que qualquer um pode criar sozinho, será que ainda teremos narrativas que conectem com o coletivo? Ou o audiovisual virará um espelho de dores individuais, como o filme de Sotero? Profundo, sim. Mas fechado sobre si mesmo.
A IA democratiza. Mas também isola. Tira o “nós” do processo. E o cinema sempre foi, antes de tudo, uma arte de equipe.
O futuro está aí. E não vai esperar. O RAIFF não foi só um festival. Foi um aviso. Em um Brasil acostumado a lidar com orçamentos baixos, escassez de fomento e dificuldade de acesso à indústria, a IA não é só uma inovação. É a única chance real de revolução criativa em larga escala.
Mas toda revolução cobra um preço. E talvez o maior deles seja reaprender a fazer junto, num tempo em que a tecnologia diz que podemos fazer sozinhos.
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