As imagens de pré-adolescentes entusiasmadas, lotando lojas de cosméticos em busca de séruns coloridos e cremes antienvelhecimento, não são apenas cenas curiosas. Elas são o retrato de uma geração que transformou o autocuidado em performance estética precoce. O skincare, que por muito tempo foi restrito a cuidados médicos ou rotinas adultas, tornou-se um novo campo de expressão e pertencimento para crianças influenciadas por criadores de conteúdo, embalagens atrativas e promessas de beleza eterna.
Mas nem tudo que brilha é saudável, especialmente quando aplicado sobre uma pele ainda em formação. Diversos produtos agora populares entre crianças e pré-adolescentes contêm ingredientes formulados para peles maduras, com substâncias como retinóides, ácidos e conservantes sintéticos. Essas composições, ao serem usadas de forma contínua e sem orientação médica, podem causar irritações, alergias e até danos à barreira cutânea. Em alguns casos, foram encontrados níveis elevados de ftalatos (grupo de químicos usados como plastificantes para tornar o plástico mais flexível) em crianças usuárias de cosméticos, o que levanta um alerta sobre disfunções hormonais. A indústria sabe disso, mas ajusta a embalagem, não a fórmula.
Essa obsessão precoce com a estética não vem do nada. Ela é moldada por redes sociais que reforçam padrões visuais inalcançáveis, por filtros que escondem imperfeições e por algoritmos que premiam a imagem perfeita. O skincare infantil passa a ser menos sobre cuidado e mais sobre correção. E nesse cenário, a infância perde espaço para uma adultização disfarçada de entretenimento. A pele não é mais pele, é projeto, vitrine, status.
As implicações psico-sociais são profundas. A criança que aprende cedo que aparência é capital simbólico internaliza uma lógica que associa valor pessoal à estética. Em vez de construir autoconfiança, vive em constante comparação com outros rostos, outras rotinas, outras vidas. O skincare vira régua moral. Surge a ansiedade de aceitação, o medo de não estar “bonita o suficiente”, a ideia de que há algo a ser consertado mesmo antes da adolescência.
Ao mesmo tempo, o mercado responde com entusiasmo. Lojas de cosméticos criam festas infantis com “diversão estética”, marcas adaptam sua comunicação, farmácias redesenham prateleiras para atrair os olhos das crianças, tudo em nome de uma nova geração de consumidores fiéis desde os 8 anos de idade. A lógica do marketing penetra na infância não apenas com produtos, mas com rituais, narrativas e códigos de pertencimento.
A beleza, que poderia ser espaço de expressão pessoal e autonomia, torna-se uma cobrança precoce. A naturalidade vira falha; a imperfeição, um problema a resolver com ativos e promessas. A diversidade desaparece sob o padrão da “pele luminosa”, clara, lisa, muitas vezes com viés racial implícito. E tudo isso vem embalado como brincadeira, como passatempo, como “amor próprio”, quando, na verdade, o que se promove é autoexigência, comparação constante e consumo disfarçado de empoderamento.
Essa tendência pede não só atenção, mas responsabilidade. É preciso diferenciar cuidado de imposição, expressão de pressão, marketing de necessidade. O skincare infantil não pode ser tratado como moda ou meme. É uma questão de saúde, física e mental, que exige regulação, informação clara e, acima de tudo, uma mudança de narrativa. A beleza pode ser parte da infância. Mas não às custas da inocência, da saúde e da autoestima.
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