Quem disse que samba precisa de letra para fazer sentido? Nove quadrinistas toparam a provocação de transformar grandes clássicos do gênero em histórias em quadrinhos — sem cantar uma linha. A missão: dar forma, ritmo e até ginga aos sambas de Chico Buarque, Adoniran Barbosa, Dona Ivone Lara e outros titãs da música brasileira, sem se esconder atrás da muleta da nostalgia.
A ideia partiu de uma tríade improvável: o Instituto Guimarães Rosa, a editora Brasa e a Bienal de Quadrinhos de Curitiba. O resultado atende pelo nome seco e direto de Samba, um livro que aposta mais no gesto do que no verbo. Cada artista mergulhou no universo sonoro de um samba e o reimaginou em quadrinhos — ou como diriam os mais puristas, “desenhinhos”. Só que aqui os traços não são coadjuvantes. São percussão, são silêncio, são descompasso calculado.
Esqueça os retratos didáticos ou adaptações lineares das canções. Samba vai pelo atalho mais torto: constrói narrativas que ecoam o clima da música, seu subtexto, sua ironia e até suas entrelinhas mais desafinadas. E convenhamos, adaptar Adoniran sem cair no pastiche é tarefa de malandro com diploma.
Ao invés de repetir o que já está gravado em vinil ou eternizado em CD de coletânea, os quadrinistas optaram por improvisar — como qualquer bom samba pede. O leitor que se vire para sacar que “Ronda” está ali, disfarçada em uma sequência muda de quadros, ou que “A Voz do Morro” aparece sem gritar nada.
Não é samba de raiz, nem quadrinho de galeria. É cruzamento perigoso entre duas linguagens que não se pedem licença para coexistir. E que talvez funcionem melhor assim — quando não tentam se explicar.
O livro está disponível em feiras independentes, pontos de venda alternativos e, para quem ainda insiste, na internet. Afinal, até o samba já entendeu que precisa de Wi-Fi.
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