Em 1908, a tranquilidade das ruas de João Pessoa — ainda chamada de Parahyba do Norte — foi quebrada por um ronco metálico que ninguém sabia bem de onde vinha. Nem o que era, exatamente. O primeiro automóvel da Paraíba, um francês “Bayard”, desembarcou no Porto de Cabedelo comprado por um comerciante de Santa Rita, Francisco Vergara. No comando da engenhoca, estava Anunciato Lucas, um rapaz que teve que ir a Recife aprender a ser motorista — profissão que, à época, era tão misteriosa quanto o próprio carro.
Até então, “carro”, por aqui, significava apenas carroça. Ou, para os mais sofisticados, uma caleche puxada por cavalos. O transporte coletivo funcionava graças à Ferro Carril Parahybana, empresa fundada pelo judeu francês Aron Cahn, que operava bondes também puxados a cavalo. O ritmo da cidade era lento, previsível e, ao que parece, menos propenso a atropelamentos.
Mas o progresso, como se sabe, não costuma pedir licença. Mal chegou, o automóvel já assustava pedestres, espantava burros e levantava poeira em ruas sem calçamento. A novidade ainda tentava se equilibrar entre o fascínio e o pânico quando aconteceu o inevitável: um atropelamento nas imediações da ponte do Sanhauá. Trágico, sim. Mas também simbólico. A modernidade havia chegado… e atropelado alguém no caminho.
A repercussão foi imediata. Manchete no jornal O Norte, protestos nas esquinas e até intervenção oficial. O então presidente da Província, José Peregrino de Araújo, determinou que o veículo fosse recolhido. Anunciato Lucas, que até então era só um jovem curioso com um volante na mão, virou alvo de busca da polícia — e, dizem, até do clero, que desconfiava que aquilo não era coisa de Deus.
O automóvel acabou liberado algum tempo depois, mas o susto ficou. Entre o barulho, os solavancos e o cheiro de gasolina, a Paraíba havia descoberto que o futuro chegava sem manual de instruções — e, às vezes, na contramão.
Comente sobre o post