Enquanto os algoritmos ajustam playlists para vender sensações genéricas e ritmos com prazo de validade, o forró segue dançando no sentido oposto — e de sandália no pé. Surgido no Nordeste do Brasil ainda no século XIX, nas festas de chão batido, o gênero virou muito mais que trilha sonora de arrasta-pé: virou identidade. E, como toda identidade brasileira que sobrevive ao tempo, virou também resistência.
De “forrobodó” a “for all”, há quem discuta a etimologia — mas ninguém discute o impacto. O que nasceu de encontros musicais improvisados com sanfona, zabumba e triângulo hoje já lotou estádios, uniu casais e, com frequência, desafiou a lógica comercial que tenta pasteurizar tudo em nome do “streamável”.
Luiz Gonzaga, o homem que fez o sertão caber no rádio, não apenas popularizou o forró — ele codificou um sentimento nacional que nem a MPB, nem a bossa, nem o samba urbano conseguiram traduzir com tanta precisão: o do brasileiro que planta sonho em solo rachado e ainda canta ao entardecer.
Décadas depois, a indústria tentou — e segue tentando — encaixotar o forró. Nos anos 1990, vieram os teclados frenéticos, as coreografias milimetricamente ensaiadas e as bandas com nomes de duplo sentido e volume no talo. Calcinha Preta, Aviões do Forró, Mastruz com Leite: sons que escaparam do Nordeste e invadiram pistas de dança país afora. O “forró estilizado” — criticado por puristas, adorado por multidões — mostrou que tradição também sabe usar microfone sem fio.
No entanto, em tempos de beats fabricados em laptops suecos e letras geradas com a profundidade de uma notificação de celular, o forró permanece teimoso. Ele ainda exige proximidade. Não se dança sozinho. Não se canta em falsete. E não se faz viral no TikTok com a mesma facilidade que ritmos tropicais sem alma.
No mundo em que a cultura é medida em cliques e a arte em monetização, o forró não pede licença. Ele toca do mesmo jeito no casamento da zona rural e na rave universitária. É ao mesmo tempo raiz e remix, tradição e improviso. Consegue caber tanto no chapéu de couro quanto na cabeça de quem nunca pisou na Paraíba, mas se rende ao toque da sanfona como se fosse genética.
E se a cultura global insiste em triturar identidades locais para empacotar hits globais, o forró responde com passos marcados, abraços colados e histórias cantadas que continuam fazendo sentido. Mesmo num mundo onde a conexão mais difícil já não é mais com a internet — mas com o outro.
Forró não é moda.
É memória que dança.
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