Em 1960, Linduarte Noronha escalou a Serra do Talhado, no sertão da Paraíba, com uma câmera na mão e uma pergunta na cabeça: o que o Brasil não vê quando olha para o Nordeste? O curta Aruanda foi a resposta — seca, direta, poética. Mais que um filme, foi o início de uma inquietação estética e política que ajudaria a fundar o Cinema Novo. Agora, seis décadas depois, o diretor Lúcio Vilar refaz os passos de Linduarte em um documentário que quer mais do que homenagear: quer lembrar.
Com estreia prevista para 2026, a produção não se contenta com o registro tradicional de legado. Ela se lança em busca dos sobreviventes de Aruanda, hoje idosos, personagens reais que viveram o que o cinema eternizou. O filme também traz entrevistas inéditas com o próprio Linduarte — falecido em 2012 — colhidas antes do silêncio final, em que ele reflete sobre arte, crítica, jornalismo e o papel de quem filma o invisível.
Linduarte Noronha é um nome que ainda circula em voz baixa fora dos limites da Paraíba. Não foi um cineasta de muitos filmes, mas foi o autor de um gesto inaugural. Em tempos de estúdios centralizados e olhares voltados para o Sul do país, ele virou a câmera para o interior. Sem roteiro engessado, sem maquiagem, sem filtro: apenas a vida, crua e complexa, de um povo esquecido.
A nova produção de Vilar — que também organizou o livro Luz, Cinefilia… Crítica!, com textos de Linduarte publicados nos anos 1950 e 60 — quer ampliar esse alcance. Mostrar que o homem por trás de Aruanda era mais do que um diretor: era crítico afiado, cronista de jornal, pensador de cinema e de país.
O documentário, ainda em fase de produção, pretende cruzar memórias e mapas: de uma Paraíba que mudou (ou não) e de um Brasil que segue tentando se enxergar no espelho da sua própria imagem. Ao seguir os passos de Linduarte, Lúcio Vilar não está apenas subindo uma serra — está desenterrando um arquivo afetivo de um tempo em que o cinema ainda ousava ser gesto político e linguagem do real.
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