No feed, tudo parece tão real quanto o mundo fora da tela. Um rosto perfeito, uma notícia convincente, uma imagem impactante — tudo feito por inteligência artificial. E o cérebro? Ele não tem um botão de denúncia.
Pesquisas e especialistas alertam: o contato contínuo com conteúdos digitais gerados por IA está reconfigurando nossa percepção de realidade. Em vez de processar o mundo como ele é, o cérebro passa a lidar com uma versão fabricada dele — e faz isso com uma confiança quase ingênua.
Douglas Kawaguchi, psicólogo do Hospital Sírio-Libanês, explica que nossa percepção é menos uma janela para o mundo e mais um espelho das nossas expectativas. “O cérebro junta o que os olhos veem com o que ele acha que deveria estar vendo”, diz. Resultado: aquilo que se repete — mesmo que falso — começa a parecer legítimo.
Esse mecanismo fez sentido por milhares de anos: confiar nos próprios sentidos e nas experiências anteriores ajudava a fugir de predadores ou escolher cogumelos com segurança. Mas, na era do filtro e do algoritmo, pode ser um atalho para confundir selfie com identidade e propaganda com verdade.
A exposição repetida a estímulos artificiais — como imagens de corpos irreais ou vídeos gerados digitalmente com eventos que nunca aconteceram — acaba criando novas referências cognitivas. Aquilo que era estranho ontem, amanhã vira padrão. E o que era verdade, vira apenas mais um conteúdo no meio do rolo infinito.
O perigo não está apenas na desinformação, mas na naturalização do artificial. Aos poucos, o cérebro deixa de reconhecer o que é manipulado. E a realidade — essa sim, bem humana — começa a perder espaço para a performance.
No fim, não estamos só consumindo IA. Estamos sendo moldados por ela. Sem perceber, damos “curtir” não apenas nos conteúdos — mas na versão fabricada de nós mesmos.
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