Vamos começar pelo óbvio: beber é uma anestesia socialmente aceita. Um gole aqui, uma dose ali, e pronto, o estresse do dia evapora, os pensamentos negativos dão uma trégua e, com sorte, você ainda ri de uma piada sem graça no bar. Mas se o álcool é tão relaxante, tão eficaz em calar o barulho da mente, talvez a pergunta deva ser outra: por que há tanto barulho para calar?
Acontece que o álcool não resolve nada. Ele é como aquele amigo folgado que aparece com pizza e cerveja quando sua casa está pegando fogo, distrai, mas não apaga o incêndio. Ele oferece alívio imediato, sim, mas ao custo de perpetuar o que te incomoda. Quando o copo esvazia, o problema continua lá, só que mais inchado, com gosto de ressaca e arrependimento.
Agora vem a parte difícil: largar a bebida é, no começo, um baita castigo. O mundo parece perder a cor, os encontros sociais soam forçados e o sábado à noite vira uma planilha em branco. Mas isso não dura para sempre. Aos poucos, o cérebro, esse órgão que passou anos tomando decisões em clima de open bar, começa a se reorganizar. E quando isso acontece, algo curioso surge: prazer nas coisas simples.
Não, você não vai sair dançando em cima da mesa como antes (o que, convenhamos, talvez seja um alívio para todos os envolvidos). Mas o sorriso espontâneo ao sentir o cheiro do café fresco, a concentração plena ao ouvir uma música, a gargalhada sincera numa conversa, tudo isso volta. A diferença é que agora não é efeito de nenhuma substância. É só você, sentindo de verdade.
E sabe aquela ideia de que parar de beber é um eterno exercício de privação? Pois é, mentira bem contada pelo cérebro viciado em dopamina fácil. Chega um momento em que a sobriedade deixa de ser um fardo e vira um privilégio. Um tipo raro de lucidez que permite estar inteiro, presente e funcional, três coisas que raramente combinam com uma garrafa de vodka.
No fim, o que parecia castigo se revela liberdade. A mesma liberdade que permite encarar os problemas de frente, sem anestesia, e descobrir que eles talvez nem fossem tão imensos assim, só estavam sendo mal iluminados por luz de neon e copos trincados.
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