A promessa de autonomia que acompanhou o home office no Itaú se transformou em motivo de demissão para centenas de funcionários. Nesta semana, relatos de desligamentos em massa revelaram que a avaliação de desempenho remoto no banco passa por métricas digitais como movimentação de mouse, teclado, tempo em videoconferências e uso de softwares corporativos.
Um ex-funcionário ouvido pela BBC News Brasil afirmou ter sido desligado após quase dez anos de carreira e reconhecimentos por desempenho. O motivo alegado: “baixa produtividade no home office”. Segundo ele, a acusação se baseou em números que nunca chegaram a ser mostrados aos trabalhadores. “A gente desconfiava que havia monitoramento, mas não sabíamos que cliques e tempo de reunião eram medidos. Não tivemos acesso aos dados, nem oportunidade de contestar.”
O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região estima que pelo menos mil empregados tenham sido atingidos pelos cortes, número não confirmado pelo Itaú. Para a entidade, o banco extrapolou os limites de gestão ao adotar vigilância digital como justificativa para desligamentos. “Não é razoável transformar ferramentas de controle em mecanismos de punição coletiva”, disse em nota, destacando impactos na saúde mental e no ambiente de trabalho.
Especialistas lembram que a legislação brasileira permite monitoramento, desde que previsto em contrato e alinhado com os trabalhadores. Para o professor da FGV Direito Rio, Paulo Renato Fernandes da Silva, há uma linha tênue entre fiscalização legítima e invasão de privacidade. “É recomendável que os contratos sejam explícitos sobre o tipo de controle adotado. Transparência e boa-fé são essenciais para manter a confiança na relação de trabalho.”
O Itaú, em comunicado, confirmou os desligamentos e justificou que “em alguns casos foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis”. O banco ressaltou que as práticas estão amparadas por políticas internas assinadas pelos funcionários e que a revisão das condutas visa preservar a cultura organizacional.
A polêmica, no entanto, vai além do número de demitidos: coloca em xeque o próprio modelo híbrido adotado desde 2022. Ao mesmo tempo em que se apresenta como benefício, a autonomia do home office abre espaço para um tipo de vigilância que redefine o que significa ser “produtivo” na era digital.
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