Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, não era apenas o rei do cangaço. Também se via como um protegido das forças do além — um cabra armado até os dentes, mas de joelhos ao meio-dia. Entre um confronto e outro, parava para rezar, como quem combina com Deus os próximos passos da emboscada. A devoção não era discreta: jejum nas sextas, respeito incondicional aos padres e uma fé inabalável em seu padroeiro particular, o onipresente Padim Ciço.
O catolicismo de Lampião não cabia nos manuais do Vaticano. Era o catolicismo do sertão, onde santos conversam com o vento e milagres se medem na sorte de escapar de um tiro à queima-roupa. Para ele, o mundo espiritual não era um plano distante — era um componente tático. Seu maior escudo não estava preso ao cinturão, mas na crença de que seu corpo estava “fechado”, imune ao mal, à bala, à traição.
Blindagem espiritual à parte, Lampião sabia que não bastava rezar para sair ileso de uma emboscada. Mas fazia questão de manter o ritual. Rezar ao meio-dia não era só devoção, era cronograma. Fé e fuzil, lado a lado, como se o céu e o sertão tivessem assinado um pacto de sobrevivência mútua.
No fim das contas, pode-se discutir o que fez de Lampião uma figura tão duradoura na memória brasileira. A coragem? A fama? A pontaria? Talvez tenha sido esse estranho casamento entre pólvora e oração, entre rosário e rifle, entre superstição e estratégia. Porque no sertão, sobreviver é também uma questão de fé — e, segundo ele, de um corpo muito bem fechado.
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