Algo está patrocinado demais no reino do jornalismo brasileiro. Em pleno 2025, não é preciso vasculhar muito para perceber: a casa caiu. E virou bet.
No site Brasil 247, tradicional reduto de análises políticas e críticas à elite financeira, é possível encontrar listas com os “melhores aplicativos de apostas” lado a lado com manchetes sobre desigualdade social. Um clique, um aviso de maioridade e pronto: o leitor é jogado direto no tapete vermelho das apostas esportivas. Textos disfarçados de jornalismo que, no fundo, só querem te levar para o site da Betano ou da Bet365 com promessas tão vagas quanto as odds de um escanteio no segundo tempo.
O truque? SEO. Otimização para motores de busca. A informação é coadjuvante — o espetáculo é comercial. Quem escreve esse conteúdo? Nem jornalistas, muitas vezes, mas freelancers que dominam as palavras-chave do Google melhor do que qualquer pauta de interesse público.
O problema não é só o disfarce, mas o timing. Justamente quando o Brasil vê crescer uma epidemia silenciosa: o vício em apostas. Estudo recente mostra que mais da metade dos apostadores comprometeram parte da renda nas plataformas — e isso inclui 17% dos beneficiários do Bolsa Família. Sim, dinheiro de comida indo para o “ambiente de entretenimento”.
Não é só o Brasil 247. No portal Terra, o “Terra Apostas” assina textos recheados de termos como “super odds”, “aproveite a oferta”, “confira a análise”. No rodapé, um discreto aviso: “conteúdo comercial”. Muito discreto. Já no Metrópoles, o “conteúdo para maiores de 18 anos” quase pede desculpas por existir, escondido entre links coloridos com chamadas quase publicitárias.
Quer uma analogia? Seria como encontrar no G1 um publieditorial sobre os “melhores sabores de cigarro mentolado” ou um guia sobre “as armas mais eficazes para legítima defesa”. Em vez de investigação, empurram apostas. Em vez de alerta, comissão por clique.
Mas a coisa ganha contornos de tragicomédia quando os próprios grupos de mídia abandonam qualquer resquício de separação entre editorial e comercial e decidem, simplesmente, virar operadoras de aposta. A Globo agora é sócia da BetMGM. A Band está lançando a sua BandBet. O SBT já reservou o nome TQJ — Todos Querem Jogar. Com investimento inicial de R$ 30 milhões só para garantir a licença junto ao governo federal.
Sim, o mesmo governo que se vende como defensor dos vulneráveis está distribuindo licenças para um setor que lucra com vício. E o mesmo jornalismo que antes fiscalizava agora passa recibo. Ou melhor: passa link de afiliado.
Não se trata de moralismo. Trata-se de coerência. Como confiar em uma reportagem sobre os impactos das bets se, no banner acima da matéria, há um “aposte agora com bônus de boas-vindas”? O jornalismo, que já sangrava com a crise da publicidade tradicional, agora parece ter feito um pacto: sobrevive, mas vendendo a alma — e o leitor junto.
Num país onde os cassinos são ilegais, a ironia é que os jornais viraram a roleta. E a aposta, como sempre, é paga por quem pode menos. Talvez, em vez de investigar as bets, as redações estejam apostando que o leitor não vai notar. Mas ele nota.
E uma hora, cobra.
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