Aninhada em Urubichá, região indígena no coração da Amazônia boliviana, a lutheria local se destaca: entre os cerca de 8 000 habitantes, estima-se que 40 a 50 pessoas fabricam violinos — um em cada 200 moradores.
No centro dessa tradição, honra-se Hildeberto Oreyai, de 76 anos, luthier que aprendeu o ofício com o avô. Ele leva quinze dias para transformar cedro ou mara em um instrumento acústico clássico, valorizado em torno de US$ 580. Apesar da idade avançada e de dificuldades para ouvir, Oreyai afina de ouvido e toca por prazer, embora não tenha conseguido repassar o ofício aos próprios filhos .
A prática segue viva graças ao apoio de uma escola local de música barroca, onde cerca de 20 alunos aprendem a fabricar violinos, inspirados por mestres como Oreyai. Liderado por Waldo Papu, o Instituto de Treinamento Artístico, Coro e Orquestra reúne cerca de 600 estudantes e sustenta inclusive uma orquestra sinfônica regional.
A saga dos violinos começou no século XIX, quando missionários franciscanos introduziram o instrumento entre os Guarayos — cujo termo significa “onde se juntam as águas” — e aproveitaram sua aptidão musical como ferramenta de evangelização. Antropólogos indicam que o vínculo com a música está enraizado em crenças sobre a morte: para alcançar o “Grande Ancestral”, a alma precisaria tocar instrumentos, como a tacuara, durante sua jornada.
Hoje, Urubichá emerge como o maior polo de produção de violinos na Bolívia, combinando herança cultural e ensino formal para garantir a sobrevivência dessa arte singular. Nesse vilarejo, o som da madeira ganha novos ecos — e, junto com ele, a voz de uma lenda viva da lutheria amazônica.
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