
O Rio de Janeiro dos anos 1930 acompanhava com entusiasmo os embates de vale-tudo. Em 22 de agosto de 1931, no Fluminense Football Club, Carlos Gracie subiu ao ringue para enfrentar Manoel Rufino dos Santos, instrutor de luta livre que havia provocado o rival em jornais cariocas. A luta começou tensa: Gracie insistia que o adversário vestisse roupas comuns, quase desistiu quando ele se apresentou apenas de calção, e ainda houve desentendimento sobre a premiação. O combate aconteceu mesmo assim.
[caption id="attachment_29868" align="aligncenter" width="1000"]
Hélio Gracie no ringue em luta contra Fred Ebert, em 1932 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO[/caption] Nos dois primeiros assaltos, Carlos se manteve no chão, defendendo-se, enquanto Rufino parecia dominar. No terceiro, ficaram pendurados na beira do ringue, com o jiu-jiteiro tentando um estrangulamento. Rufino fez um gesto que muitos entenderam como desistência, mas o juiz mandou o duelo recomeçar. A discussão se estendeu por uma hora até que Carlos deixou o local, e Rufino foi declarado vencedor, o que lhe rendeu elogios extras na imprensa por doar a premiação a uma instituição beneficente.
[caption id="attachment_29869" align="aligncenter" width="1000"]
Helio Gracie aplica golpe durante treino em 1936 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO[/caption] As provocações não pararam ali. Em 1932, Rufino publicou uma carta com 13 perguntas endereçadas a Carlos, ironizando a recusa do rival em enfrentá-lo novamente. Poucos dias depois, ao chegar ao Tijuca Tênis Clube, o instrutor foi surpreendido por Carlos, Hélio e George Gracie. Segundo sua versão, confirmada por testemunhas em juízo, ele foi espancado, sofreu golpes com soco inglês e precisou de cirurgia no ombro. Os irmãos, em resposta, negaram a emboscada e alegaram que apenas Hélio teria se envolvido.
[caption id="attachment_29870" align="aligncenter" width="1000"]
George, Carlos e Helio Gracie (à direita) na Casa de Detenção, antes da prisão — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO[/caption] O caso foi parar na Justiça, e em 1934 saiu a sentença: Carlos e Hélio condenados a um ano e nove meses de prisão, George a um ano e dois meses. No dia 27 de maio, os três se apresentaram ao capitão Filinto Müller, na Polícia Central, e foram recolhidos à Casa de Detenção.
[caption id="attachment_29871" align="aligncenter" width="1000"]
Hélio Gracie (à esquerda) sendo fichado por policial, ao ser preso, em 1934 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO[/caption] Mas a permanência atrás das grades durou pouco. A escritora Rosalina Coelho Lisboa articulou um movimento a favor dos Gracie, apoiado por nomes como o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, e o conde Afonso Celso. Uma carta enviada a Getúlio Vargas descrevia os irmãos como “moços de sólida moral” cuja carreira era “glória nacional”. O apelo surtiu efeito: em 4 de junho, Vargas assinou o decreto de indulto.
[caption id="attachment_29872" align="aligncenter" width="1000"]
Irmãos Gracie. Parentes e amigos diante da Casa de Detenção, após indulto, nos anos 1930 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO[/caption] Uma semana após a prisão, os pioneiros do jiu-jitsu deixavam as celas, recebidos por familiares e amigos. Entre combates, manchetes, tribunais e decretos, os Gracie transformaram-se em notícia e mostraram que, mesmo fora do tatame, sabiam como se manter no centro das atenções.
[caption id="attachment_29873" align="aligncenter" width="1047"]
Os Gracie[/caption] Pesquisa: Jornal O Globo