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Cinquenta anos de mistério: Tenório Jr. finalmente tem seu destino revelado

Cinquenta anos de mistério: Tenório Jr. finalmente tem seu destino revelado

Por: Hermano Araruna
14/09/2025 às 13h00 Atualizada em 14/09/2025 às 16h00
Cinquenta anos de mistério: Tenório Jr. finalmente tem seu destino revelado
Foto: Reprodução

Quase cinco décadas depois do desaparecimento de Francisco Tenório Cerqueira Júnior, o pianista conhecido como Tenório Jr., a Justiça argentina confirmou à embaixada do Brasil em Buenos Aires a identificação de seu corpo. O músico estava em uma turnê pelo Uruguai e Argentina com Vinicius de Moraes, Toquinho, o baixista Azeitona e o baterista Mutinho, poucos dias antes do golpe militar argentino de 24 de março de 1976.

Na madrugada de 18 de março, após um show no Teatro Gran Rex, Tenório Jr., que dividia o quarto no Hotel Normandie com Toquinho, deixou um bilhete informando que sairia para comprar cigarros e um lanche. Nunca mais voltou. Os restos foram encontrados na interseção da avenida General Belgrano com a Panamericana, e a Justiça estima que tenha sido morto em 20 de março de 1976, dois dias após o sequestro. A identificação se deu por impressões digitais, cruzadas em órgãos especializados em desaparecidos políticos.

O caso agora será conduzido pela Equipe Argentina de Antropología Forense (EAAF), reconhecida mundialmente por identificar restos de desaparecidos da ditadura, com o objetivo de esclarecer como o músico foi assassinado. Perguntas cruciais permanecem: quem ordenou a morte de Tenório Jr.? Por que um pianista sem envolvimento político foi espancado até a morte? E qual foi o papel das autoridades brasileiras durante o desaparecimento?

Nascido em 4 de julho de 1941, em Laranjeiras, Rio de Janeiro, Tenório Jr. cresceu entre estímulo artístico e disciplina acadêmica. Filho do delegado Francisco Tenório Cerqueira e de Alcinda Lourenço Cerqueira, foi aluno de Moacir Santos e integrou o grupo instrumental Os Cobras, ao lado de Paulo Moura, Raul de Souza e Milton Banana. Aos 21 anos, iniciou apresentações no Beco das Garrafas, em Copacabana, local que reunia os maiores nomes da música brasileira da época. Aos 23, gravou o LP "Embalo", com Paulo Moura, Raul de Souza e Rubens Bassini, lançado em 1964 e relançado em CD em 2004.

Seu talento o levou a colaborar com nomes como Edu Lobo, Nana Caymmi, Chico Buarque, Gal Costa, Milton Nascimento, Egberto Gismonti, Johnny Alf, Joyce Moreno, Toquinho e Vinicius de Moraes. Ruy Castro, colunista da Folha de S.Paulo, descreveu-o em 2023 como “o melhor pianista de seu tempo, genial e moderno”. Apesar da projeção artística, enfrentava dificuldades financeiras e deixou a esposa, Elisa Cerqueira, grávida do quinto filho do casal.

Diversas hipóteses tentaram explicar o desaparecimento: uma sugere que Tenório Jr. foi confundido com militantes montoneros, outra envolve drogas e uma terceira aponta um possível romance que teria interferido nas investigações. Na noite do desaparecimento, um quiosqueiro o viu comprar tabaco e ser abordado por um Ford Falcon, mas nunca pôde registrar o que presenciou.

A trajetória interrompida de Tenório Jr. representa também uma perda para a música brasileira. Seu piano combinava improviso, sofisticação e popularidade, abrindo caminhos entre o samba-jazz e a bossa instrumental. O Hotel Normandie, palco de sua última aparição, instalou uma placa em homenagem ao músico, restaurada recentemente após a pandemia, transformando o local em símbolo de memória e justiça histórica.

Hoje, a identificação de seu corpo não é apenas um ato humanitário. Ela abre portas para novas investigações sobre os responsáveis pelo crime, enquanto o legado musical de Tenório Jr. continua vivo, lembrando que, embora a repressão tenha interrompido uma trajetória, jamais apagou sua influência na cultura brasileira.

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