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Entre o gole e o abismo

No relato de uma alcoólatra em recuperação, a lembrança do vício se mistura ao medo do presente, um mergulho íntimo sobre ignorar o perigo, sobreviver a si mesma e redescobrir a vida sóbria.

Por: Hermano Araruna
08/10/2025 às 16h01
Entre o gole e o abismo

Alice S., autora do blog Vida de Alcoólatra e alcoólatra em recuperação, decidiu revisitar as páginas mais sombrias da própria história, não para se lamentar, mas para entender o abismo que deixou para trás. Em um relato íntimo e cortante, ela reflete sobre o período em que o álcool comandava suas escolhas e questiona o que seria de sua vida hoje, diante do aumento de casos de adulteração de bebidas com metanol, uma prática que vem preocupando médicos e autoridades sanitárias.

“Na época em que eu estava na ativa, nem os alertas sobre bebidas adulteradas me faziam parar. Eu simplesmente não me importava”, admite. O depoimento é duro, mas honesto: Alice reconhece que viveu por anos em uma espécie de transe, movida por uma necessidade constante de fuga de si, da dor, da lucidez.

Ela descreve o antigo cotidiano com um misto de vergonha e clareza: “Eu era hipócrita e descuidada. Bebia o que aparecesse, onde estivesse, sem pensar em nada além do momento.” Hoje, olhando para trás, entende que o vício lhe dava uma ilusão de controle enquanto a afastava de tudo o que realmente importava. “Eu não queria enxergar o risco. Queria continuar anestesiada. Era mais fácil continuar no vício do que enfrentar a vida.”

O tempo e a abstinência, no entanto, mudaram o tom da narrativa. Após meses de recuperação, ela se reconhece como uma sobrevivente. “Agora vejo com nitidez o perigo que eu corria. A cada gole, eu me distanciava da saúde, da liberdade e da própria vida.”

A autora não romantiza o processo de reabilitação. Fala sobre os dias de ansiedade, as recaídas emocionais e a solidão que acompanha quem tenta se reconstruir. Mas também compartilha a descoberta de um novo tipo de força, aquela que nasce do reencontro com a própria consciência. “Recuperar-se é um exercício diário de presença. É reaprender a existir sem anestesia”, afirma.

A conscientização sobre os riscos do consumo de álcool e das bebidas adulteradas tornou-se, para ela, uma extensão da própria cura. O caso recente de contaminações por metanol, que pode causar cegueira e até morte, reforça o alerta que ela tenta transmitir em suas publicações: o perigo não está apenas no vício, mas também na negligência coletiva em relação ao consumo.

Encerrando seu relato, Alice deixa um lembrete para quem ainda está preso ao ciclo da dependência: “Eu sei o que é acreditar que nunca vai conseguir sair. Mas possível é. Difícil, sim, mas possível. A vida tem um sabor que o álcool jamais poderá oferecer.”

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